Assim como tudo e mais ainda sobre tons de pálpebras, nada sei, nada quero dizer em especial, não sei se faço poesia ou falácia, só sei, eu, que despejo tudo nessas palavras, sem restrições de tempo, hora e momento. Há em mim alguém o qual desconheço, esse deve ser um tanto poeta de gaveta, um tanto filósofo de esquina. Ah! e de calçadas também. Entrego-me ao meu avesso!
Wednesday, March 06, 2013
“Âncora de leveza”. homem em um maremoto
Ao observar homens aparentemente distintos em um dia do mês de maio, em um ano e hora irrelevantes – ao menos para serem citadas aqui - de todos aqueles homens que estavam sentados do lado esquerdo da calçada, sobre aquele banco de madeira acinzentado, com olhares de canto, rostos caricatos e mãos para o alto, o mais velho deles, o qual aparentava entre cinquenta e quatro e sessenta anos, me parecia tão hermético, nada sisudo como os demais. Usava um traje em tons monocromáticos, se contrapunham com a cor cintilante de um arco íris impreciso no céu. Não tinha as mãos marcadas pelo tempo, observava tudo com o canto dos olhos (castanhos) não marcava em si o sinal da verdadeira idade, qual seria tal sinal? A velhice teria realmente algum sinal relevante?
Suponho que se houvesse, fosse apenas à alma. O que poderia importar a sua real idade? O que se observava ali eram os detalhes, a simplicidade de movimentos e percepções, talvez aquele amadurecimento tão desejado por alguns jovens, muito poucos creio eu, aliás, contrapondo-se a esse homem, cabe uma bela analogia aqui, me parece que muitos desses jovens atuais, ou ditos pós-modernos, estão alienadamente “contentes” com algumas atuais infâmias contemporâneas, em relação à conduta, ética e moral, afinal para que servem todos esses pressupostos, ou seriam conceitos arcaicos? Não importa, talvez atualmente não sirvam para nada, sim, pois todas estão fora de “moda”, não é? O desrespeito, a falta de moral, ética e humildade são tão demode, em suma, a superficialidade alimenta muitos desses jovens, triste constatação; afinal esses valores eram requisitos inerentes a tal sujeito citado nessas linhas, por isso resolvi traçar esse paralelo de comparação, guardada a real parcela de hipocrisia, a qual a todos acomete; esse homem que me parecia de essência intocável como reconhece-lo? Talvez apenas observando profundamente a retina dos seus olhos, duvidosa para muitos, pois, assim como muitos outros hábitos, soava tão estranho contemplar nuvens em um dia de céu azul, quem era tal sujeito? Surpreenderia a qualquer outro interlocutor. Esse tal senhor de mãos leves e macias, confirmei quando pude toca-las, de passos geométricos e precisos, tinha o corpo franzino, cabelos brancos como cor de neve, essa correlação veio, assim, nesse mesmo dia, o frio era intenso, optou por um cachecol vermelho sangue, sapatos pretos e casaco escuro, um broche branco, impossível precisar de tal distância, alias, á princípio a ideia era de manter certo distanciamento para captar tais singularidades desse homem, distinto homem. É muito bom que fiquem bem claras as singularidades observadas ali, as discrepâncias, não sociais, culturais ou apenas de conduta, mas as perceptíveis aos olhos, essas vinham de tão longe, muito longe. Passei a vigia-lo por vários dias. Imaginava eu se ele fosse pronto em si mesmo, seria a perfeição em pessoa, singularidade pura ali, em seus atos, coletivamente ou não, a partir dessa singular ideia de perfeição, o que ele então deveria perseguir? Como deveria ser para ele danosa a busca de um nada, já que seres dito perfeitos pressupõem seres completos, prontos e acabados, como diria o grande poeta:
“Gostava ele das coisas rasas, do vazio, do incerto, da eminencia de ser...”.
O quão desumano seria a busca ilusória e utópica por um nível de crescimento intelectual, moral ou estético, o qual a priori encerrar-se-ia em si mesmo. Não haveria desumanização maior. Ele saia pela tangente, pelos espaços menos disputados, oblíquos e adjacências. Assim me parecia que ele gostava de vê-la, vazia, incompleta, ofuscada, cinzenta, em sua incompletude maior, só assim poderia deslumbrar e vê-la prestes a uma erupção, em um sonho de completude. Diferentemente dos demais, os quais se mostravam completos e perfeitos em si, sem restrições ou frustrações enganosas, não me parecia que desperdiçavam tempo contemplando o céu, o vazio da rua ou a maneira inocente de um olhar, não, isso não era para os demais, só observa-se esses traços naquele homem, dos presentes naquele espaço, com toda certeza era o que soava indiferente a superficialidade, sorrisos bobos e canções irrelevantes. Após muitos dias de observação, tomei tal coragem para aborda-lo, quem sabe uma troca de palavras rápidas, isso seria de grande valor, já que esse homem não trocava palavras com os demais, apenas meras cordialidades, diplomacias de conduta necessárias aos misantrópicos. Aos poucos fui entrando em seu espaço, aquele banco cinza, um cipreste amarelo fazia a sombra necessária, em poucos minutos de contato o que ficou ainda mais perceptível, era observar que ele estava continuamente impulsionado a ler e reler artigos, livros e anotações sobre como as pessoas ditas maduras devem agir, como se houvesse um manual para isso, supõem-se que agem como acham que devem agir, porém a imposição hipócrita de uma sociedade calcada em valores os quais representam apenas uma conduta teórica de ser humano, não aplicável, e se aplicável, não cabível para todos os momentos, isso poderia eximi-lo de qualquer culpa retrograda e decadente: moralidade impiedosa que consome os demasiados, me disse ele tudo isso com sangue nos olhos, a principio pensei em um homem em busca de si mesmo, perdido, ou talvez tudo não passe-se de uma fantasia, algo inatingível, não habitável em si, ou em outro qualquer, muito menos apresentada em livros ou manuais estipulados por uma sociedade aquém de si mesma. Talvez ainda acreditando que o esforço e a pratica poderiam leva-lo a concretização de tantos sonhos, quimeras, muitos já descritos para pessoas próximas, inclusive pare esse que declara abertamente palavras sobre ele. Com o passar dos dias, passamos a trocar palavras escritas em folha branca, eu lembro muito bem quando em finais de tarde chegavam em meu endereço palavras daquele homem, confissões em forma de textos, não havia como fugir de si mesmo, era tudo tão explicitado ali, aquela peculiaridade em tecer certas vontades e frustações lhe eram imensamente particulares, assim como eram suas feridas e sonhos ainda expostos por não conseguir vivenciá-los em sua plenitude, seria mesmo necessária essa busca inerente por um estado contemplativo de praticidade tão dolorosa? Suponho que não, ele vivenciava tudo aquilo dentro de si mesmo, não haveria necessidade de externar algo tão belo e singular. Não. Fora de si mesmo aquilo tudo perderia toda a razão de ser. Era o que eu continuamente tentava em vão explica-lo, ele talvez por motivo desconhecido de si mesmo, por vezes fazia da alta cobrança algo insano, dolorido, difícil de amenizar. Mesmo assim sentia que com o tempo aquilo tudo teria um fim, seus olhos me eram tão conhecidos, muito antes de observa-lo naquele banco e mesmo depois de passar a trocar palavras endereçadas, ele continuamente, em sua quietude quase plácida, aquém de incômodos exteriores, passava uma paz libertária, como pessoas as quais nos fazem bem apenas estando próximas. Caberia a mim e a ele: Silêncio oportuno, tão eloquente quanto um discurso sem "substância". Avesso a futilidades mil... Por que o encantamento por algo que não têm o mínimo encanto? A resposta para tal indagação escondia-se por detrás da pele alva e dos olhos negros, os mais belos encantos são os mínimos aos olhos, os mais tênues e frágeis pode ser os mais intensos. Desde então, passamos a contemplar nosso silenciar, como quem contempla uma garoa fina e calma. Além é claro de continuar nos endereçando continuamente, por momentos de maneira mais intensa, já em outros, de maneira abruptamente pálida e conservadora, assim mostrava-nos a nós mesmos, outro lado, aquele lado há tempos “escondido”, entre portas ou janelas, persianas de cetim ou cortinas lilases em tons de rosa e carmim. Confessou-me, ele, que na ultima carta enviada a uma pessoa amada, deixou a marca de seus lábios, obteve resposta com a marca da palma das mãos que tanto contemplava. Aquelas confissões começaram a delinear-se em um fim previsível, pois sua saúde carecia de qualidade. Fiquei sabendo em uma das suas últimas cartas, que estava hospedado em uma bela casa ao pé de uma montanha onde ventava muito, tinha vista para o mar asiático, passará a ler muito sobre Buda e teologias variadas, o local era continuamente abatido por intensas tempestades de vento e atos de um mar violento, questionei em uma das últimas cartas recebidas o porquê da escolha de tal local, embora tão singular em sua beleza, ao mesmo tempo tão perigoso, em estado eminente de sofrer intemperes? A resposta foi: desde que nos conhecemos, fiel amigo o qual aprendi a respeitar e confiar, tornou-se uma de minhas ilusões escrever-lhe como um homem que haverá de enfrentar um grande maremoto, foi até então as palavras que ficaram. Espero que aquele homem ainda possa escrever-me não apenas em palavras, mas com a alma, em sua completude, em seu estágio mais concreto. Sobre sua decisão, jamais o questionei, ainda espero a derradeira descrição, desse homem e seu real maremoto.
Ele.
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