Assim como tudo e mais ainda sobre tons de pálpebras, nada sei, nada quero dizer em especial, não sei se faço poesia ou falácia, só sei, eu, que despejo tudo nessas palavras, sem restrições de tempo, hora e momento. Há em mim alguém o qual desconheço, esse deve ser um tanto poeta de gaveta, um tanto filósofo de esquina. Ah! e de calçadas também. Entrego-me ao meu avesso!
Wednesday, May 01, 2013
Noite Branca
Quisera eu ter aquele tamanho, os braços eram longos e reforçados, não tinha apreensão nos olhos, esses eram vultosos e sagazes. Guilherme não tinha mais cabelos longos como antes, mesmo trabalhando de sol a sol. Suas mãos ainda pareciam macias e firmes. Esticava o corpo todas as manhãs na varanda da casa. Não era desses garotos que cultuam o corpo, nem precisava... Morava com os tios, tinha cumplicidade com a tia de nome Vilma, dava-lhe todo carinho que nunca teve dos Pais. Fato esse que tentava deixar passar despercebido, mas seus olhares tristes eram denunciadores. Tentava desesperadamente esconder-se atrás de certa arrogância e impessoalidade. Parecia ter poucos amigos. Muito poucos. Talvez não por opção, quem sabe? O lugar sagrado eram as quatro paredes brancas daquele quarto frio.
Cheio de adereços em cristais e gesso, cuidadosamente lustrados. Era cuidadoso.
Excêntrico às vezes. O fato de nunca abrir as janelas deixava um mau cheiro, nem as cortinas pareciam ser estendidas, algumas frestas de luz adentravam por espaços da entrada que dava para um sótão, escuro e gelado. Poucas vezes subia ali...
Mantinha coleções de álbuns de vinil, alguns nunca ouvidos, os preferidos estavam na parede, olhava como se olha aquém se quer... Ao lado a coleção de borboletas azuis, a qual trazia desde a infância, recordação do Pai falecido. Tentava recompor as asas destruídas pelo tempo, assim como fazia com sua mãe, durante longas noites. O retrato em cima da cama trazia uma mulher austera, com grande vivência. Sumiu em um dia de chuva sem deixar vestígios. Não levou nada, apenas a roupa do corpo. Estranheza total.
Guilherme matinha um saudosismo ácido. Como quem só olha de dentro para fora, assim via tudo se delinear em sua frente, pequenos formatos tomavam proporções enormes.
Quem me dera desvendar o que aquele garoto trazia no peito, o que fazia seus olhos brilharem por tão pouco, pareciam tênues seus momentos de felicidade. Deveriam ser...
É isso! Guilherme só olhava de dentro para fora, tudo partia de uma sensibilidade frágil e extrema. Não era percebida assim, por olhos nus. Poucos a percebiam. Mesmo assim aqueles olhos sempre pareciam cerrados, olhares tímidos e sorrisos amenos. Timidez? Talvez... Tinha as mãos geladas. Sempre mudando de lugar os móveis do quarto. Nada ficava no mesmo lugar. Só pessoas especiais podiam ocupar aquele espaço.
Transformara aquele ambiente em algo intransponível. Único, e passível de seus devaneios.
Alguns segredos deveriam estar contidos ali? Brigava com Bruno o primo mais novo, por sempre estar espiando pela fresta da porta, às vezes em um descuido deixava entreaberta.
Trabalhava com Tio em uma oficina mecânica, dava duro sem reclamar. Aos vinte e dois anos tinha acabado o colegial, mas ainda não tinha dado um rumo na vida, muitas indecisões assolavam seus pensamentos, esse era um dos grandes motivos para ser diariamente atormentado pelo Tio. Homem de poucos sorrisos. Matuto e exigente sempre dava tarefas difíceis para Guilherme, algumas embora normais, para Guilherme pareciam definitivamente impossíveis de serem cumpridas. Mas sempre fazia o possível para servi-lo. Mesmo contrariado dava tudo de si, era assim em tudo o que se propunha a fazer.
Ir até o mercado era uma dessas tarefas mais difíceis, não gostava de cruzar as avenidas, preferia as vielas e ruas estreitas, certo que ali haveria pouco movimento. Alguns olhavam com certo espanto, porque aquele garoto chamava-lhes atenção? Talvez transpassasse certa inquietude que era disseminada por onde era visto, por onde passava. Afinal em cidades pequenas todos deveriam se conhecer e assim se dar bem.
Mas isso não acontecia. Talvez aquele jeito fosse seu e de mais ninguém.
Apenas seu jeito de ser. Andava descalço na grama gelada.
Adora ficar debaixo do cipreste amarelo, encostar os braços, estender as pernas e roer as unhas.
Usava camisetas com pétalas bordadas.
Os finais de semanas eram dedicados a falar de amenidades pra si mesmo.
Coisas simples para muitos, para Guilherme tinham dimensões extremas.
Noites que pareciam cinza, através de seus olhos eram brancas.
Era particular e privado seu mundo.
Pequeno grande mundo.
Ele.
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1 comment:
Raras vezes eu comento,embora considere todos os textos de uma beleza ímpar,este em especial me chamou tanta atenção,que não pude deixá-lo passar despercebido.Talvez porque o personagem reflita algumas sensações e também trejeitos que eu tenha.Gosto de como você se utiliza das palavras em sua maioria simples,doces e delicadas para dar esse tom poético a tudo que escreves,sintetizando o conto ou mini conto é espetacular!
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